Sonhos shoujos

    Em uma velha casa encontravam-se um velho e um jovem. O velho, sentado em uma poltrona rasgada e já sem um dos encostos, estava fraco e tremulo, com apenas alguns fios brancos em sua cabeça, quase não respirava, porém continuava com um sorriso e um olhar esperançoso no rosto. O jovem poderia parecer rico se não fosse pela sujeira acumulada em suas roupas, os cabelos desgrenhados e a vermelhidão em seus olhos, estava assustado e confuso.

    O rapaz entrara na casa apreçado, sem nem mesmo bater na porta, poderia estar fugindo de algo ou alguém e como a adrenalina ainda percorria pelo seu corpo não percebera que avia mais alguém no local.

    - Costuma sempre invadir moradias abandonadas meu jovem? - Perguntou o velhinho num sussurro quase inaudível.

    - Tem alguém ai? - Disse o jovem enquanto procurava pela origem da fraca voz, olhando para as paredes descascadas, os quadros quebrados, os objetos caídos pelo chão.

    - Se você escutou uma voz logicamente existe alguém a quem ela pertença – Respondeu o velho no momento em que o jovem o encontrou.

    - E o que o senhor faz em um lugar como esse? A casa está praticamente caindo ao pedaços. - O jovem parecia tranquilo agora, mas seus olhos diziam o contrario.

    - Aproveitando a vida meu caro, aproveitando a vida... - Repetia com os olhos fechados e um sorriso – e você? Por que entrou aqui tão desesperado?

    - Estou fugindo da vida que o senhor tanto aproveita – Respondeu com ironia – corro, fujo, me escondo, mas ela sempre me encontra. Ela é triste, desolada, complicada e assustadora. Ha! Acabarei com ela hoje! E assim ela não poderá me perseguir mais.

    - Assustadora? Não, a vida não é assim, a morte que é assustadora, fria, escura, desconhecida, sombria... A morte sim merece ser temida, a vida merece apenas ser vivida.

    - E porque pensa assim?

    - Simples. Pensava exatamente como você, achava a vida horrível e má, ela me fez passar por muitas tristezas e dificuldades, - Disse o velho olhando para a paisagem em sua janela - porém também me fez crescer, envelhecer e amadurecer. Percebi que ela é a coisa mais maravilhosa que poderia existir.

    - Ainda não entendo, você mesmo disse que a vida lhe trouxe coisas ruins, melhor acabar logo com ela e ganhar a liberdade, paz e sossego.

    - É essa a graça da vida, me trouxe coisas ruins, mas também ganhei momentos bons, alegres, contentes e inesquecíveis. Hoje me arrependo por não ter percebido isso antes e tento segurá-la o máximo possível com as poucas forças que me restam – Parou um pouco para respirar, demorou tanto para voltar a falar que o jovem achou que ele avia morrido, mas bem baixinho o velho continuou com seu discurso – Muitos acham que com a morte ganharemos nossa liberdade, não sabem que é completamente o contrario, a morte será a nossa prisão pelo resto da eternidade e a vida é passageira, temos que aproveitá-la enquanto ela não se cansa de nos seguir.

    - O senhor deve estar realmente caduco, ou não quer aceitar que a morte pode ser o melhor para você agora. Olha ao redor, estamos num lugar frio, escuro, assombroso, exatamente como disse ser a morte, cansei disso tudo, vou embora de uma vez – O jovem saiu da casa quase tão depressa quanto quando chegou, deixando o velho falando sozinho.

Andou sem perceber o caminho, falando baixo consigo e dando risadas sem motivos, ainda achava que era perseguido pela vida e, como disse mais cedo, resolveu acabar com ela de uma vez por todas. Andou por horas até que no final da tarde encontrou uma velha ponde que ficava mais afastada da cidade, alta o suficiente para ser encontrado pela morte. Lembrou-se das ultimas palavras que escutou enquanto saia da velha casa.

    - Ao menos recebi da vida a liberdade de continuar em minha casa e ver meu ultimo por do sol enquanto imploro para que ela não me deixe...

    O jovem olhou para o horizonte e apreciou a sua única escolha.